25 Agosto 2017
Buscando pôr fim a várias tentativas de reverter a reforma da liturgia introduzida pelo Concílio Vaticano II, nesta manhã o Papa Francisco declarou categoricamente que "a reforma da liturgia é irreversível".
A declaração foi feita em uma importante palestra para a Semana Nacional Litúrgica na Itália, marcando o 70º aniversário do Centro de Ação Litúrgica. Uma fonte próxima ao pontífice contou ao America que as observações se destinavam não apenas aos liturgistas italianos presentes, mas à Igreja no mundo todo.
A reportagem é de Gerard O'Connell, publicada por America, 24-08-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Em sua fala no dia 24 de agosto, Francisco relembrou o público de que nos últimos 70 anos ocorreram "acontecimentos substanciais e não superficiais" na vida da Igreja e na história da liturgia. O Vaticano II e a reforma da liturgia são "eventos diretamente ligados", e "não floresceram de forma inesperada, mas foram preparados por muito tempo".
Ele relembrou que a preparação veio por meio do movimento litúrgico que começou muitas décadas antes do concílio e das respostas dos diferentes papas na primeira metade do século XX.
São Pio X deu um primeiro passo importante, disse o papa, ao publicar um decreto em 1903 sobre o reordenamento da música sacra e o ressurgimento da celebração da missa dominical. Também criou uma comissão para a reforma geral da liturgia que imaginava que levaria "muitos anos".
O projeto de reforma foi posteriormente liderado por Pio XII, em 1947, ao publicar a encíclica "Mediador Dei" e criar uma comissão para estudar reformas na liturgia. Ele introduziu reformas sobre o jejum eucarístico, o uso da "língua viva" na liturgia e, o mais importante, a Vigília Pascal e a Semana Santa.
O Concílio Vaticano II (1962-65) trouxe maturidade a esses esforços ao aprovar a "Constituição sobre a Sagrada Liturgia", cujas linhas gerais da reforma "respondiam às necessidades reais e à esperança concreta de renovação: buscava uma liturgia viva para uma Igreja vivificada pelos mistérios que celebrava", disse o papa Francisco. O Vaticano II procurou garantir que "os fiéis não atuariam como alguém de fora ou como espectadores mudos do mistério da fé, mas, entendendo-o por meio dos ritos e orações, participariam da ação sagrada de forma consciente, piedosa e ativa", acrescentou.
Ele relembrou que, em janeiro de 1965, ao explicar os primeiros passos da reforma em andamento, o Beato Paulo VI deixou claro que "a autoridade da Igreja é que desejou [a reforma]" e queria "promover e dar luz a esse novo caminho de oração", e que todos deveriam embarcar como discípulos do Senhor.
Francisco disse que a direção traçada pelo concílio "tomou forma... nos livros litúrgicos promulgados pelo Beato Paulo VI, que foram bem-vindos pelos próprios bispos que estavam presentes no concílio e que agora estavam em uso universal no Rito Romano por quase 50 anos".
O Papa destacou que "a aplicação prática" da reforma, "guiada pelas conferências dos bispos nos respectivos países, ainda está em andamento, porque não basta reformar os livros litúrgicos para reformar a mentalidade". Ele disse que "os livros reformados, de acordo com os decretos do Vaticano II, iniciaram um processo que exige tempo, recepção dos fiéis, obediência prática, sábia celebração ativa, primeiro por parte dos ministros ordenados, mas também dos outros ministros, dos cantores e de todos que participam da liturgia".
"Na verdade", declarou, "a educação litúrgica de pastores e fiéis é um desafio que deve ser sempre enfrentado como algo novo". Ele lembrou que, um ano antes de morrer, Paulo VI disse aos cardeais em um consistório: "Chegou o momento de deixar de lado os fermentos disruptivos, destrutivos em algum sentido, e implementar a reforma por nós aprovada por decisão [votos] do concílio de forma completa e de acordo com os critérios inspiradores corretos". É claro que Francisco compartilha dessa posição.
"Hoje, também", acrescentou Francisco, "há muito [trabalho] a ser feito nesta direção, recuperando os motivos das decisões tomadas pela reforma litúrgica, superando leituras infundadas e superficiais, recepções parciais e práticas que a desfiguram".
Enfatizou, ainda, que "não se trata de repensar a reforma revisitando as escolhas [feitas], mas de conhecer melhor os motivos subjacentes, também através da documentação histórica, para interiorizar os princípios que os inspiravam e observar a disciplina que regula [a reforma]." Na verdade, disse o papa Francisco, "depois dessa longa jornada magistral, podemos afirmar que a reforma litúrgica é irreversível".
Após essa reflexão geral, Francisco continuou abordando alguns aspectos específicos da conferência italiana, ao redor do tema
"Uma liturgia viva para uma Igreja viva".
"A liturgia é 'viva' por causa da presença viva de Cristo", disse ele. "Assim como sem pulsação não há vida humana, sem o coração pulsante de Cristo não há ação litúrgica".
Papa Francisco: "A liturgia é 'viva' por causa da presença viva de Cristo".
Embora alguns tenham comentado sobre celebrar a liturgia virados "para o Oriente", Francisco enfatizou hoje que "o altar é um dos sinais visíveis do mistério invisível, o sinal de Cristo a pedra viva". Por isso, é "o centro para o qual a atenção converge em todas as nossas igrejas".
Além disso, buscando combater uma mentalidade clerical na celebração da liturgia, Francisco enfatizou que "a liturgia é vida para todo o povo da Igreja" e, "por sua natureza, é de fato 'popular', e não 'clerical'", porque "é uma ação para as pessoas, mas também das pessoas".
Relembrou também que a constituição do concílio sobre a liturgia declarou claramente que "as ações litúrgicas não são ações privadas, mas celebrações da Igreja".
Houve uma tendência de usar a liturgia para excluir as pessoas, mas Francisco deu pouca oportunidade a essa abordagem. Hoje, novamente, disse: "A Igreja em oração reúne todos aqueles que têm um coração que escuta o Evangelho, sem excluir ninguém: os pequenos e os grandes são chamados, assim como os ricos e os pobres, as crianças e os idosos, os saudáveis e os doentes, os justos e os pecadores.
Ele disse que "a assembleia litúrgica supera, em Cristo, todos os limites de idade, raça, língua e nacionalidade"; é "inclusiva, e não exclusiva", e promove "a comunhão de todos". Destacou que "a Eucaristia não é um sacramento 'para mim', é o sacramento de muitos que formam um só corpo, o povo santo e fiel de Deus".
Alguns tentaram rebaixar a piedade popular, algo que Francisco valoriza muito. E, na palestra, disse que não podemos esquecer que "a liturgia, acima de tudo, expressa a piedade de todo o povo de Deus, estendida por exercícios piedosos e devoções que conhecemos pelo nome de religião popular, que deve ser valorizada e encorajada em harmonia com a liturgia ".
O Papa Francisco concluiu enfatizando mais uma vez que "a liturgia é vida, não uma ideia que precisa ser entendida". A adoração litúrgica "não é, sobretudo, uma doutrina a ser entendida ou um rito a ser realizado", disse o Papa. "É uma fonte da vida e da luz para a nossa jornada de fé".
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O Papa Francisco afirma com autoridade magistral: a reforma litúrgica do Vaticano II é "irreversível" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU